Goju-ryu é um dos 4 estilos originais de Karate oriundos de Okinawa. Fundado oficialmente pelo mestre Chojun Miyagi em 1933, esta linha advém da aldeia de Nanha e das técnicas de luta que já la se praticavam à séculos, tradicionalmente denominadas Naha-te.
O estilo, como o próprio nome denota Go (forte, duro) + Ju ( flexível, suave), caracteriza-se pela busca do equilíbrio entre os opostos, das energias antagónicas e complementares. Defende que o praticante desta arte marcial só é completo e pleno se o seu corpo e mente estiverem em perfeita sintonia, deve saber agir com poder ou suavidade já que a verdadeira força reside na conjugação de ambos.
Muito embora seja um estilo muito rico do ponto de vista formal, com fortes influências chinesas, facilmente distinguível pelas suas técnicas circulares e fluídas, é também um estilo com forte índole filosófica e meditativa.
"O caminho do Karate Goju-Ryu é a procura da via da virtude:
Não agredir os demais, não ser agredido pelos demais.
O princípio da paz sem incidentes"
- Chojun Miyagi
Okinawa
Okinawa é a maior ilha do arquipélago de RyuKyu, um grupo de ilhas ao sul de Kyushu e Taiwan. Actualmente o arquipélago faz parte do território japonês, mas outrora (séc. XV) foi uma soberania independente conhecida como o antigo reino de Ryukyu, com centro administrativo no castelo de Shuri.
Okinawa é reconhecida em unanimidade como o berço do Karate, por sua vez a história das suas origens peca por falta de consenso e de registos, existindo várias versões e conjecturas. Talvez haja um pouco de verdade em todas elas, tendo contribuído no seu conjunto para o desenvolvimento desta arte marcial.
Facto é que Okinawa era a ilha mais relevante do arquipelago não só porque detinha o poder régio em Shuri, mas também por se tratar de um importante interposto comercial, com um grande porto em Naha. Também é essencial contextualizar que RyuKyu, embora um reino próspero tinha alguns alguns inimigos sendo Okinawa o alvo chave. A China foi durante muito tempo, mesmo antes da união do reino RyuKyu, um importante aliado politico-comercial, e influênciou fortemente a cultura Okinense.
Um marco desse intercambio data de 1393, quando Okinawa recebe simbolicamente 36 famílias chinesas abraçando as suas artes, ofícios e costumes. É impossível precisar se foi nesta data que as artes de luta foram implementadas na ilha, contudo é incontestável que têm origem chinesa.
Okinawa acaba for adaptar e evoluir os ensinamentos chineses no seu estilo próprio de luta simplesmente denominado Tê (mão – diminutivo de mão chinesa). A arte de tê foca-se em 3 regiões distintas adoptando nuances únicas em cada local. Fixa-se em Shuri, por se tratar da capital da época, onde abarca escalões da nobreza e um carácter mais militar, por sua vez fixa-se em Naha por ser a o núcleo portuário onde adopta uma forma e treinos mais duros, finalmente os humildes trabalhadores da aldeia de Tomari também cultivam o seu próprio estilo, ainda que menos conhecido, reflecte as suas actividades piscatórias e campesinas.
Se durante algum tempo a prática de artes marciais em Okinawa pode ter sido considerada cultural ou recreativa, a instabilidade e conflitos que se fizeram viver nos sec. XVI e XVII tornaram-nas absolutamente essenciais.
Num contexto de confrontos, invasões e tomadas de posse de clãs rivais, Okinawa viu-se por duas vezes (em 1507 e 1609) com leis restritas de proibição do uso de armas, com o intuito de evitar a revolta dos populares. Também as artes marciais foram condenadas sendo alvo de erradicação. Isto explica não só a falta de registos e secretismo que envolve as origens do karate, mas também o florescer da prática neste território. Uma vez sem armas o povo não tinha outro recurso a não ser as próprias mãos (tê).
A arte das mãos vazias
Até ao final do séc XIX as artes de luta de Okinawa mantiveram-se imutáveis, na medida em que, eram ensinadas numa restrita relação entre mestre e discípulo. Os diferentes estilos fortemente marcados pelo carácter, metodologia e interpretação do mestre que ensinava, eram dispersos não apresentando qualquer padrão ou paridade.
Em 1879 uma alteração no cenário político vem ameaçar esta realidade. A agregação das ilhas RyuKyu ao Japão, vem formalizar não só a perda do estatuto independente da Okinawa, como a conquista da disputa de território com os chineses.Todavia esta mudança apresenta repercussões e implicações além da demografia, se por um lado era do interesse nipónico tomar este território estratégico e seus habitantes, por outro, a cultura okinense com fortes influências chinesas era alvo de grande preconceito e discriminação por parte do povo japonês, embrenhado num movimento patriota de valorização da sua identidade cultural (denominado Nacionalismo Japonês). Tal hostilidade fomenta o desconforto e rivalidade de parte a parte.
Naturalmente que as artes de luta okinenses, que pouco ou nada se relacionavam com as artes marciais japonesas (kempo, judo,etc..) pareciam não ter espaço na cultura nipónica. A sua dispersão e nome não eram de todo favoráveis neste novo contexto, já que o kanji tê era de facto chinês, no entanto aquilo que parecia ser o fim mostrou-se uma oportunidade de renovação. Alguns mestres encontraram no tê um ponto de afinidade com as artes marciais e a cultura japonesa, pela sua disciplina e filosofia. Defendem que a prática que desenvolve carácter, uma ferramenta útil na formação de jovens e crianças, com tantos benefícios físicos quanto comportamentais.
Afim de preservar a sua arte os mestres uniram-se e usaram a sua influência para promover a integração das suas artes de luta como património cultural japonês, e para tal implementaram as mudanças e adaptações necessárias à disseminação da prática. Para começar a alteração do nome para Karate (kara-vazio, te – mãos), a arte das “mãos vazias”, agora com kanji japonês. A adaptação pedagógica também é importante na medida em que se uniformiza a metodologia de ensino (kihon e kata), muito embora se respeite a riqueza formal associada a cada estilo. Algumas técnicas perigosas são suprimidas (para o secretismo), e é reforçado o carácter saudável dando-se relevo aos seus benefícios na postura, mobilidade, flexibilidade, respiração e relaxamento. A integração foi um sucesso e o Karate é tomado como japonês e respeitado pelas suas qualidades. Em 1902 o Karate ganha uma dimensão desportiva, sendo decretado desporto oficial.
Goju-Ryu
A origem do estilo Goju pode ser traçada até ao mestre Kanryo Kiagonna, muito embora este fosse o pai desta linha de estilo, ele não é o seu fundador oficial já que a arte de luta que praticava ainda era o tê. Nascido em Naha a 10 de Março de 1853, foi o grande percursor do Naha-te que anos mais tarde viria a evoluir para Goju.
Hiagona foi inovador na sua abordagem, filho de um mercador cedo percebeu que as técnicas de luta de Naha eram já uma adaptação e interpretação de um legado chinês. Como tal utiliza a sua influência no mundo portuário e ainda muito jovem (15/16 anos) parte para a China em busca da fonte e essência das artes de luta.
Uma vez na China convive com vários mestres e frequenta várias escolas onde aprende a reconhecer duas vertentes nas artes de Chang (=punho, paralelismo com o tê =mão). Uma classificada de Estilo Duro, ou externo. A outra classificada de Estilo Suave, ou interno.
O Estilo Duro e externo representa o Zen Budista, a escola de onde derivam vários ramos de Shaolin Chun (Kung fu). O Estilo Brando e interno representa Yee Chuen, Pai Kua Chang e o Tai Chi Chuen. A arte chinesa do punho que Kanryo Higaonna estudava com mais interesse era também designada Pan Gainoon, que literalmente significa 'Uma parte é Dura e a outra parte é Suave, um conceito simbiótico paralelo com o Yin Yang.
Quando regressa a Okinawa Higaonna intruduz novas técnicas e metodologias de treino o que acaba por efluir muito no estilo de Naha, enriquecendo-o e distinguindo-o dos demais estilos da ilha.
Em Setembro de 1902 o Mestre Higaonna começa a ensinar um jovem de 14 anos, Chojun Miyagi revela-se um excelente discípulo. Anos mais tarde torna-se o sucessor do estilo Naha-te e dá continuidade aos ensinamentos do seu mestre. Tal como Higaonna, Miyagi viaja até à China com o intuito de estudar as artes de luta que tanto influenciaram o seu mestre. Esta viagem dá-lhe um novo entendimento das artes marciais e marca definitivamente o cunho chinês no estilo Nana-te. Contudo por esta data Okinawa já pertence à soberania japonesa, e tal como o nome te (mão chinesa) sofreu uma adaptação para Karate (mãos vazias), também os estilos de Shuri-te, Naha-te e Tomari-te tiveram de se ajustar. Em 1933 Chojun Miyagi baptizou oficialmente o seu estilo de Goju, com grande carga simbólica Go que significa forte ou duro e Ju que representa o flexível e suave.
É na dicotomia destas duas instancias que reside o equilíbrio, a versatilidade e o controlo. Conciliar estes conceitos antagónicos pode parecer um contrassenso, uma boa analogia é que o praticante de Goju deve ser como a água, fluida: capaz de assumir todas as formas, pode ser calma ou revolta, mas encontra sempre o caminho mais eficiente para ultrapassar qualquer obstáculo. A agua modela-se, contorna, envolve, adapta-se e esquiva-se sem nunca perder a direcção do seu objectivo
Comparativamente aos demais estilos de Karate, o Goju distingue-se pelas suas técnicas circulares amplas e fluidas, que muitas vezes se traduzem em chaves e projecções ajustados para luta de curta/média distância. Os treinos incluem frequentemente exercícios a pares e trabalho complementar de reforço muscular, por vezes bastante duro e com recurso a aparelhos tradicionais como a makiwara.
Confere um enfase especial à respiração e ao trabalho do Ki (energia interna), sendo o único estilo com katas respiratórias. Contempla também uma dimensão meditativa, sendo realizados vários exercícios que procuram estimular o controlo mental (foco e atenção) e emocional, almejando alcançar a harmonia entre o corpo a mente e a respiração.